Literatura 2 – TIO GUIDO

Por Mauricio Dias                             

Corria o ano 1286 de Nosso Senhor.

Eu, Jacopo Reni, acompanhava meu tio na carroça; a viagem tinha como objetivo o castelo do Conde de Monferrato, na região do Piemonte. Atrás de nós, abrigado no desconforto da carroça, um grande caixote de madeira, recoberto por uma lona. Dentro dele estava a carga preciosa, com cuja venda tio Guido tencionava garantir a segurança de sua velhice.

Meu tio lidava com toda sorte de mercadorias, o que lhe possibilitou ao longo da vida conhecer gente de todo tipo: vendia pigmentos para pintores, sulfa para alquimistas, mandrágoras para viúvas ricas, fora as mercadorias mais triviais, e a pimenta e o cravo que um contato trazia das Arábias e das Ásias. Tio Guido também conhecia os rabinos e mais de uma vez transportou diamantes para eles, em troca de comissão. Ele colocava as pedras num tubo de metal, enfiando-o em seguida em seu corpo, lá onde o sol não bate. O único lugar em que os ladrões não olham por estes dias.

Todo este dom para o comércio rendera ao tio uma vida boa, mas com sete filhos vivos – de um total de doze, cinco já em companhia de Nosso Senhor – não havia certezas por parte dele quanto ao outono de seus anos. Meus primos haviam sido muito mal criados pela senhora minha tia, bando de comes et dormes, enquanto eu desde pequeno trabalhara duro para não ser um peso. O velho Guido se lastimava constantemente.   

Apesar de prosseguirmos em bom ritmo, nossa viagem durara mais que o esperado: tivemos que fazer um desvio para evitar uma procissão de leprosos.

– Raça de miseráveis – dizia o tio, cuspindo. – Se eu fosse um leproso não sairia por aí, espalhando a pestilência.

Mas agora já nos aproximávamos do castelo, onde ele esperava ser bem recebido. Meu tio lutara sob as ordens do Senhor daquelas terras, o Conde, na última grande cruzada.

– Um grão-cavaleiro de uma ordem secreta, mui distinto, que benção a pessoa ter instrução e riqueza. Glória de Deus! Os mouros tremiam ao ver aquela força surgindo no corcel marrom que ele montava; era uma fonte de inspiração e coragem para todos os cristãos que o seguiam, já devo ter te falado na grande batalha em Túnis…

– Várias vezes, os cavalos em chamas por causa do fogo grego…

– Eram tempos duros aqueles. Eu tinha mais ou menos a idade que tens hoje, ah, um imprestável como tu não durava um dia no deserto. – Fez uma pausa, virou-se para mim – Quando chegarmos ao castelo, tu ficas em silêncio e não fala nada, nem vá sair comendo tudo sem que eu diga que podes, esfomeado miserável; dai-me paciência, santíssimo, que ainda arrebento esse infeliz…

Chegamos ao castelo. Meu tio se apresentou aos guardas, falou de sua glória ao lado do Conde no longínquo Egito, disse que trazia algo para seu eterno comandante. Ficamos aguardando, levaram-nos à cozinha e nos deram rabanetes, tomates e um pão; esperei a autorização do tio para saciar a fome, ambos comemos à grande.

– Agora o Conde irá vê-los. – Anunciou-nos o senescal. Meu tio sacou de uma pequena cabaça e aspergiu leite de rosas sobre mim e sobre ele próprio, tio, para que nossos fedores adquiridos na viagem não ofendessem ao nobre nariz do senhor do castelo.

O Conde lembrou-se de meu tio, Guido, o varre-bostas – o tio nunca havia deixado claro exatamente o que fazia. Era esta então sua função: cuidar da limpeza das cavalariças.

– E este é seu filho?

Já haviam feito esta confusão antes.

– Meu sobrinho, senhor. Sua mãe, uma boa alma, já se encontra entre os anjos.

– O rapaz é a tua figura, esculpido em carrara. Isto supondo que alguém gastasse mármore para reproduzir um rosto que, afinal, não tem nenhum encanto em particular.

– Os laços de sangue as vezes percorrem rios sinuosos, deixando semelhanças acima do esperado…

– Também em Roma há muitos sobrinhos. Como sabe, os padres não deveriam ter filhos. Daí, os filhos viram sobrinhos. Nepote, Nepotas… Suponho que também ocorra com homens casados, quando tem filhos que não deveriam ter.

Meu tio corou. Não captei o sentido das palavras do Conde.

– Meu Comandante, exibe nos tempos de paz a mesma sapiência que o guiou nos campos de batalha, dom que só pode ser dado pelo Altíssimo. Ainda hoje eu falava com o rapaz sobre sua sagacidade na batalha de Túnis, quando tentávamos resgatar o bom rei Luís, que Deus o tenha… – Tio Guido gesticulava para melhor vermos o que contava – Cavalos em formação romana, infantaria pelos flancos…

Mas antes que meu tio começasse a desfiar as reminiscências, o Conde tratou de encurtar a conversa: – Caro Guido, o que o traz aqui? 

– Tenho uma mercadoria de grande valor, que acho que poderia interessar ao Comandante. 

– Do que se trata?

– Um animal raro, mui valioso.

– Animal raro? Não me diga que é uma manticora…

– Melhor que isto. Seria melhor que visse com seus próprios olhos. Mas o senhor há de convir que há despesas com alimentação, e sendo animal tão raro, apenas para mostrá-lo, tenho que cobrar uma taxa.

O Conde sorriu; hesitou um pouco, e por fim meteu a mão na algibeira e atirou uma moeda ao meu tio. Em seguida nos acompanhou até o estábulo, onde se encontrava nossa carroça. O senescal e dois guardas o seguiram. Lá chegando, meu tio e eu subimos na carroça, e empurramos o caixote – ainda recoberto por uma lona – para que ficasse mais visível aos nobres olhos.

– Um animal mágico e nobre, senhor. – Meu tio puxou a lona, descortinando o conteúdo.

– Isso é um potro! – Disse o Conde, entre o decepcionado e o raivoso.

– Oh, não, senhor. É um unicórnio legítimo.

– É um potro branco. Belo animal, mas apenas um filhote de cavalo, nada mais. Acha que vais me enganar com isso? Devia mandar te cortar as mãos, víbora!

– Senhor, talvez não o reconheça como unicórnio, por não ter ainda lhe nascido o chifre. É que é ainda muito jovem.  

O Conde permaneceu calado. O animal pastava um pouco do feno que havia ali.

– O bezerro também não tem chifres. Nem o filhote de carneiro. Estes só vem com a maturidade. Assim ocorre também com os unicórnios.

Após um breve silêncio, o Conde sorriu: 

– Então volte aqui quando ele estiver mais maduro e o chifre já começar a brotar-lhe da testa.

– Senhor Comandante, pela honra que lhe devo, faria isso com prazer. Mas tenho mulher e um bando de filhos para sustentar. Investi todos os meus bens na compra desse animal, se vossa senhoria visse o pai dele, que magnífica besta, concordaria que valeu cada cêntimo. Não tenho posses para reter tal mercadoria, até por que o danado come muito. Se o senhor não se interessa pelo animal, terei que procurar outro cliente de posses.

O Conde mostrou-se hesitante.

– Um monoceros? Seria possível? Os árabes falavam do karkadam. Tu, Guido, viste mesmo os pais do animal?

 – Apenas o pai, que há anos fora capturado com o auxílio de uma virgem. O senhor sabe que esta é a única isca que atrai estes de um só chifre. A mãe do meu unicórnio morreu logo após desmamá-lo, não sei se isso é comum na espécie, não pude vê-la. – Fez uma pausa – Para o senhor ver que ele não poderia mesmo ter chifre em tão tenra idade; como mamaria em sua mãe sem rasgar-lhe o ventre?

Este argumento de meu tio pareceu-me terrivelmente lógico. Penso que o mesmo se deu com o Conde.

– Tire-o desta jaula e deixe-me vê-lo de perto.

Assim fizemos, o Conde examinou o potro, passou-lhe a mão na testa para ver se encontrava vestígio de um chifre vindouro.

– Você não tentaria me enganar, não é, Guido?

– Sabendo eu o quão sábio é o senhor, só se fosse um tolo para tentar faze-lo.

– Quanto quer por ele?

– Não sou ganancioso, valha-me Deus, e pelos laços que me unem ao senhor Comandante, não me sinto no direito de cobrar tudo que sei que tal animal poderia valer nos mercados de Veneza ou Florença… Que tal umas quinze moedas?

– Dou-lhe cinco.

– Mas, senhor… Sabes o quão raro é um unicórnio.

– Não tenho garantias de que seja mesmo um unicórnio. Posso aumentar duas moedas de meu preço, e chegaremos a sete moedas; sagrado número, dia do descanso divino, o domingo da liturgia.

– Que tal doze moedas, o número dos apóstolos?

– Não vale mais que dez moedas, até porque só Deus sabe quanto tempo terei ainda de alimentá-lo até que nasça um chifre. Se é que nascerá algum dia. Além disso, o número dez me agrada, dez são os mandamentos divinos, dez são as pragas do Egito.

– Ocorreu-me que com doze moedas, uma para cada apóstolo como eu sugerira, estaríamos também reverenciando a memória do Iscariotes: pecado horribilis, porque Deus não poupa aos traidores as chamas eternas. Então do número doze tiremos um, para não falarmos mais naquele – cuspiu no chão – e chegamos a um belo número, o dos apóstolos fiéis.

– Onze? Belo número, concordo integralmente.

Eu estava entretido vendo aqueles homens discutindo preços; decerto tinham aprendido esta arte com os árabes, apesar de citarem a Bíblia.

– Ninguém nunca acusará o Comandante de mesquinho na minha frente. – Tio Guido reclinou-se, agradecido.

– Não carrego tal quantia comigo, voltemos à minha casa, lá lhe darei a paga.

Voltamos ao castelo, nos sentamos à uma mesa, o senescal deixou a sala e voltou com um baú. O Conde abriu-o, contou dez moedas e as deu ao meu tio, que tornou a contá-las.

– Senhor, longe de mim querer ser desconfiado ou injusto, mas me parece que aqui só há dez moedas, e me faz crer que o combinado era onze.

– Uma eu já havia te dado para ver um animal extraordinário. Só que de extraordinário este potro não tem nada, portanto sua visão não valia uma moeda. Se daqui há um ano começar a nascer-lhe um chifre, aí sim, será um animal especial. – Virou-se para mim – Não concorda, jovem varre-bostas?

– Não saberia dizer, senhor. – Temia que qualquer resposta me valesse uma bolacha vinda de uma das partes.

– Saiu-se bem o teu bambino, liso como uma enguia. – Falou ao meu tio. – Agora, Guido, teu problema é transportar este valor. Moras aonde?

– No campo, senhor, cinco dias de viagem – e nisso meu tio mentiu, pois a viagem duraria oito dias, não fosse o desvio por causa dos leprosos – , seguindo em direção ao encontro do Pó com o Susa – e aqui mentiu novamente, pois morávamos mais pra perto da nascente do Pó.

– Distância grande, perigoso é transportar valores pelas estradas; há salteadores, assassinos, ladrões. Evidentemente não posso mandar uma escolta, mas tu deves te lembrar dos Cavaleiros Templários.

– Claro. Lutaram ao nosso lado, no Egito.

– Tenho amigos na ordem. Eles podem transportar o valor para você, cobram apenas uma pequena taxa. Mais seguro…

– O senhor mencionou os perigos do caminho, e evidentemente tem razão. Nessa vida de comércio, a gente ouve parlare de cada coisa horrível. Mas, meu senhor, pela fé que tenho, creio que nada de ruim me acontecerá no caminho. Agradeço a oferta, mas dispenso-a.

– Seja feita tua vontade. A noite já se aproxima. Imagino que não desejeis partir com a lua, então pode se recolher com o jovem aos estábulos. Na cozinha lhe darão o de comer.

– Abençoado seja o lar de um cavalheiro tão generoso, faremos como o senhor disse.

Já de barriga cheia no estábulo, preparávamo-nos para dormir.

– Tio, como vai fazer para transportar onze moedas em segurança? Espero que não pretendas enfiá-las todas no rabo.

– Não, para isso estais aqui. Enfiareis as moedas em vosso rabo.

Tremi ante aquela possibilidade: – Tio, peço que reconsidere, nem mesmo por respeito e amor a ti estou disposto a levar onze…

Ele me interrompeu: – Não se preocupe, estava brincando. Diamantes são pequenos, mas estas onze moedas não tem como agüentar, a não ser que sejas uma porca ou uma vaca. Tenho outros planos.

– Quais planos?

– Dorme, amanhã verás.

Levantamos com o galo. Meu tio reuniu alguns apetrechos e desatrelamos a mula da carroça. Ela nos levou no lombo até um riacho, viagem breve, ainda nas terras do Conde, e em segurança. Lá o tio retirou os apetrechos, anzóis et lineas, e preparou-os enquanto eu caçava insetos e vermes para serem iscas.

Passamos a manhã pescando, reunimos dois peixes de bom tamanho e uns menores.

Botamos os peixes pra assar, exceto um.

– Este aqui nós vamos preparar para a viagem.

– Para comermos na estrada?

– Não. Já ouviu falar na estória em que São Pedro retira moedas de dentro de um peixe? Nós faremos o contrário, enfiaremos as moedas dentro do peixe. – Disse o tio, colocando as moedas uma a uma dentro do ictio.

– E depois o porá no rio, para que nade pelo Pó até a nossa casa, e lá retiraremos as moedas? – Zombei.

– De onde me saíste burro assim? Em primeiro lugar isto é um peixe, não um pombo-correio. Em segundo lugar, caso você não tenha ainda percebido, ele já está há quase uma hora em terra firme, e portanto, está morto. Morto, entendeu? Pega este vidrinho.

Fiz como ele mandou.

– Abre-o, e cheira, com cuidado. 

– Argh, fedor horrível! Que é isto, cocô do diabo?

– Mistura de certas plantas, asa-fétida et outras, produz o efeito da náusea. Dá-me aqui antes que você derrame, paspalho.

O tio banhou o pobre peixe naquele líquido, mergulhando aquele visgo inclusive nas entranhas do animal, ainda bem que estava morto; imagine um vivente ser obrigado a engolir aquela nojeira.

– Este é um serviço que tem que ser feito em jejum, ou acaba-se vomitando. – O tio continha os engulhos enquanto embrulhava o peixe fedido num pano.

Colocamos aquele pacote fétido a alguns metros de distância, lavamos o rosto e bebemos água para nos recompor.

Depois pudemos comer os peixes assados, que com um pouco de oliva ficaram ótimos – veja só que diferença faz o tempero, umas plantas tornam o peixe intragável, outras o tornam delicioso.

Saí com a mula para o estábulo, meu tio ficou junto ao rio, vigiando o peixe embrulhado.

Reatrelei a mula à carroça, apanhei o tio, guardamos o pacote numa caixa, e seguimos viagem. O fedor, mesmo de dentro da caixa, vinha atormentar nossos narizes.

– O senhor não teme a reação do Conde quando descobrir que não é um unicórnio?

– E quem disse que não é um unicórnio?

Só então me ocorreu que realmente eu não conhecia os progenitores daquele animal, que o tio conseguira num escambo. Tentei usar a lógica:

– Você mentiu quanto à localização da nossa casa, e recusou a ajuda dos templários. Pois não quer que saibam onde moramos e venham atrás de você, exigir o dinheiro de volta.

– Eu menti porque não quero proximidade com os templários. Lutei nas cruzadas, conheço esta gente. Há boatos de que mijam e cospem na cruz, e compactuam com o inominável. Vou confiar em tais tipos?

Seguimos sem maiores problemas, não encontramos os leprosos da vinda, só a podridão do peixe nos incomodava.

De noite acendíamos a fogueira, e cozinhávamos uma sopa, o tio contava histórias de Florença e Veneza que me enchiam a imaginação. A mim, que por toda a vida fora um campesino, era possível me ver caminhando pelas ruas daquelas cidades de sonho.

Repeti o pedido que já muitas vezes fizera: – Tio, a próxima vez que for a Florença, me leve com você.

Ele desconversava.

No terceiro dia fomos parados por um bando de sete homens, armados com paus e foices. Salteadores.

Tio Guido apertou-me o ombro: – Fique calmo e não faça nenhuma besteira!

Revistaram a carroça, horrorizaram-se com o fedor do peixe, agora ainda pior que antes.

– Com os diabos, homem, em que cloaca pescou este demônio?

– Foi um feiticeiro que mo deu. Disse que é a única cura para a lepra que aflige minha senhora.

– Estás louco? Preferiria continuar com lepra a ter que comer esta podridão.

A menção da lepra fez com que desistissem de levar a carroça; mas levaram a mula, então ficamos a pé do mesmo jeito.

Não sabíamos onde poderíamos conseguir outro animal, então metemos a carroça na floresta, sob uma precária cobertura de arbustos. Com uma faca fizemos marcas em algumas árvores próximas, na esperança de que pudéssemos voltar com uma besta, identificar o local e levar a carroça pra casa.

É claro que a partir daí, o encarregado de carregar a caixa com o peixe era eu. Senhor Deus, sei que se coloca as vicissitudes em nosso caminho é para nos testar, mas carregar nas mãos aquela pestilência é algo a que o próprio São Paulo teria aversão.

O tio, por pena de mim, seguiu procurando pelo mato até achar algumas plantas que ele conhecia. Esmagou-as e fez uma infusão para eu enfiar no nariz, disse que bloquearia o cheiro. Santificado seja meu tio, aquilo foi realmente um alívio.

Depois de dois dias a pé conseguimos carona com um carroceiro que levava feno para perto de nossa casa. Ao fim de muitos percalços chegamos ao lar, com as onze moedas intactas. Fedidas, porém intactas.

Meu tio já me havia feito prometer silêncio sobre aquelas moedas, mesmo à minha tia e meus primos não deveria falar. Ele enterrou-as no jardim. O peixe, depois de um dia no vinagre, virou comida de porcos. Eu e meu primo Pietro refizemos o caminho a cavalo e conseguimos reaver a carroça.

Com o passar dos anos, segui meu tio em outras viagens, fui pouco a pouco conhecendo seus clientes mais regulares. Nunca deixei de me admirar com a inteligência de tio Guido, que se aquele homem não era culto, havia aprendido muito ao longo da vida, curtido pelos anos e viagens. E creio mesmo que minha companhia também o agradava.

Anos depois, com o tio já velho, repeti estas viagens sozinho ou em companhia de um dos meus primos. Herdei-lhe clientes, conheci Florença – mas não Veneza – e cheguei mesmo a morar muitos anos ali.

E agora me chega a notícia de que meu tio já não está mais entre nós, que os anjos o guiem e o Senhor lhe perdoe a vanitas, a gula e outros pecados leves. Já não o via há mais de um ano, dificuldades de trabalho, agora sinto-me culpado, pois só o poderei ver depois do dia de meu juízo, se Deus assim o quiser.  

Só há alguns anos, depois de ter mais contato com as coisas dos homens, vim a entender o que o Conde – gentil homem aquele, que Deus o tenha também – quis dizer com filhos virarem sobrinhos. Eu e meu tio nunca mencionamos o assunto.

Tenho tentado organizar em minha cabeça as lembranças que tenho de tio Guido, mas não sou familiarizado com as letras, e nunca o serei. Paguei a um jovem escriba para embelezar minha narrativa, não me orgulho de ser ignorante, mas vergonha maior seria ser ladrão ou herege. Contei fatos e humores do tio, talvez para retê-lo um pouco mais ao lado – que magia poderosa esta a das palavras, capaz de reviver os defuntos. É preciso louvar nossos mortos. Que a capacidade de Deus de perdoar seja maior que a nossa de pecar. Amém.

2 Responses to Literatura 2 – TIO GUIDO

  1. Daniel disse:

    rarara…. excelente!

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