Tentando ser bilingue ao falar de cinema

dezembro 2, 2011

I’ve written a few things about the film ‘The Usual Suspects’, 1995. The English version of the text can be read here: https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/some-thoughts-about-the-usual-suspects

Escrevi algumas coisas sobre o filme ‘Os Suspeitos’ (‘The Usual Suspects’, 1995). O que me levou a escrever sobre ele está explicado no texto. A novidade é que escrevi duas versões do mesmo, uma em inglês e outra em português. O texto em português pode ser lido aqui: https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/consideracoes-sobre-os-suspeitos


Manchando a reputação alheia

novembro 14, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Há quase uma década escrevi um texto sobre Francis Ford Coppola, o qual ainda está disponível on line (www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=874).

Ali coloco a respeito do filme ‘O Poderoso Chefão’ (The Godfather):

Havia no livro um personagem paralelo, um cantor fracassado, que nos anos 50 deseja um papel num filme de guerra, o qual ele crê que o tiraria do ostracismo. Para obter este papel, recorre a seus amigos da “Cosa Nostra”. Todo mundo associou a trama a um velho amigo da Máfia, Frank Sinatra. No início dos anos 50, sua carreira estava em baixa e ele ressurgiu como uma fênix, graças em boa parte, a seu papel de Maggio em “A Um Passo Da Eternidade” (From Here To Eternity, de Fred Zinnemann, 1953), pelo qual ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Ator coadjuvante.

Certa vez, em 1971, Sinatra encontrou Puzo num restaurante, e esculhambou-o, quase agredindo-o fisicamente.

(…)

Os (Poderosos) “Chefões” I e II, obras-primas inquestionáveis,  são a demolição completa do mito do “self made man”. A primeira frase do primeiro filme é “Eu acredito na América”, dito por um ítalo-americano.  Segue-se o show de violência e corrupção, que só faz desmentir a frase. E como já comentei, também ataca-se sutilmente um dos maiores ícones da cultura americana do século XX, Frank Sinatra. E não é por acaso que no segundo filme, boa parte da ação se passa em Cuba, que é exposta como playground da máfia, até estourar a revolução.

Pode-se argumentar que apesar do enfoque sempre no lado negro do american dream, o que é mostrado nestes filmes aconteceu de verdade. Não é bem assim. Segundo Ruy Castro, nos verbetes dedicados a Sinatra em Saudades do Século XX (Cia. Das Letras), o episódio envolvendo o blue eyes em Chefão provavelmente não passa de ficção. (…)

Hoje (14-11-2010) tive acesso a mais um indício de que o que se fez foi uma bela difamação com Sinatra:

“(Eli) Wallach turned down a role in “From Here to Eternity” (1953) to appear in Elia Kazan’s Broadway production of Tennessee Williams’s Camino Real.  Frank Sinatra stepped in and ultimately took home an Oscar® for his performance. ” [Wallach recusou um papel em “A Um Passo da  Eternidade” (1953) para aparecer na produção da Broadway que Elia Kazan preparou para ‘Camino Real’ de Tennessee Williams.  Frank Sinatra entrou em seu lugar e acabou levando um Oscar para casa.] Extraído de http://www.oscars.org/awards/governors/2010/wallach.html#didyouknow ou http://bit.ly/bQSRkL

Este fato ocorrido em 1953 foi trazido a público em 1972, quando ‘O Poderoso Chefão’ tornou-se a maior bilheteria de todos os tempos até então? Ou preferiram manter um silêncio?

Sinatra  fora um democrata, inclusive ajudando a eleger John Kennedy presidente – e depois foi posto de lado pelos Kennedys, terminando por converter-se em republicano. Era um símbolo da grande música popular americana  em plena era da guitarra e dos protestos de John Lennon contra o Vietnã. Seria Sinatra alguém a ser deliberadamente esquecido?


Quem precisa de mais um texto sobre Tropa de Elite 2?

outubro 10, 2010

Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Confesso que estava ansioso para ver ‘Tropa de Elite 2’, e o fiz assim que estreou em grande circuito, dia 8-10. Um filme extremamente bem realizado do ponto de vista técnico: produção, montagem, fotografia, elenco. No mesmo dia, saiu no RioShow do jornal ‘O Globo’ uma versão editada de um texto de Jorge Antonio Barros que apontava inverossimilhanças no roteiro do filme. Barros é editor adjunto do caderno Rio e responsável pelo blog ‘Repórter do Crime’ do Globo. Ou seja, alguém com conhecimento de causa nos assuntos retratados no filme. O texto, muito válido, pode ser lido integralmente aqui:

http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/posts/2010/10/08/tropa-de-elite-2-nem-tudo-verdade-mas-quase-tudo-330978.asp

Mas as discrepâncias que Barros aponta são aquelas entre filme/realidade. Eu pretendo aqui comentar as discrepâncias internas do filme.

Todo filme tem que ser coerente, não pode uma hora dizer uma coisa e depois dizer outra. No caso de uma continuação, além de ser internamente coerente, ela tem que ter coerência com o filme que a gerou. Isto posto, temos a reviravolta do personagem Capitão Nascimento (no segundo filme promovido a Coronel), que desde o primeiro filme é mostrado como beligerante, proto-fascista e alguém que tem verdadeira abjeção por pseudo-liberalismos hipócritas da sociedade (“- Quando vejo uma passeata pela paz tenho vontade de sair dando porrada” – diz no primeiro filme).  Agora, no segundo filme, Nascimento termina por se juntar ao personagem de um militante/deputado que tem várias características que antes ele repudiava. É uma forma de incoerência, mas isto está bem resolvido no filme, a mudança de Nascimento se dá devido a descobertas feitas ao longo da trama, faz parte do que em roteiro se chama de ‘arco do personagem’.

Mas há problemas maiores. Não queria nem falar do fato de Rosane, a personagem que era a esposa de Nascimento no primeiro filme, ter se divorciado dele e casado com outro personagem que é quase uma nêmese do Cap. Nascimento. Este dado é um “Deus Ex Machina“, uma forçação de barra brutal: A mulher que teve seu primeiro casamento destruído pela dedicação obsessiva de seu marido à segurança pública vai se casar justamente com outro homem que dedica, por outros meios, obsessivamente sua vida à segurança pública? É trocar um problema por outro. Mas rende bons frutos à trama: a ironia embutida no fato, a confusão entre os dois pólos gerada na cabeça do filho agora adolescente de Nascimento. Então, vamos deixar passar.

Mas um outro problema, este me parece inexplicável: No segundo filme temos a questão das milícias, personificada no Major Rocha. E o sujeito é a encarnação do mal, brutal e corrupto ao extremo. Nem o agora oficial André Matias (qual a patente dele? Capitão?) nem o Coronel Nascimento parecem saber nada sobre o Major Rocha: Matias aceita tomar parte numa operação capitaneada por Rocha; e após a execução de um personagem do Bope (não vou dizer quem, para não estragar a surpresa pra quem ainda não viu), o Coronel Nascimento não consegue fazer a conexão entre o crime e o provável autor do mesmo.

Pois bem, vamos retroceder para esclarecer o ponto incômodo: No primeiro filme o Capitão Nascimento é designado para ministrar um curso para os candidatos ao Bope. Antes do curso começar, os oficiais da instituição se reúnem numa mesa para debater o que se sabe sobre os candidatos. ( “-Esse está na lista do jogo do bicho.” “-Esse é barra pesada. Cafetão de puta em Copacabana!”). Ou seja, no primeiro filme eles tinham informações sobre todo policial corrupto pé-de-chinelo da cidade. E no ‘Tropa 2’, este serviço de inteligência, que antes funcionava miraculosamente bem, agora é incapaz de saber que o Major Rocha é o chefão das milícias? Não dá pra acreditar. E esta situação se estende por anos, e o Coronel Nascimento só vai tomar ciência dele através do ativista de direitos humanos? Que é isso? Parece que o diretor e roteirista estão pedindo desculpas por um certo endosso à truculência no primeiro filme: “Olha, aquela cena em que o policial invade a passeata da paz e sai batendo num ‘avião’ (passador de droga), não quer dizer que sejamos anti-pacifistas. O personagem é que era brutal; nós não. Até o Coronel Nascimento teve que reconhecer a sua inferioridade em relação a um militante dos direitos humanos. O cara lhe toma a mullher, o amor do filho, e ainda descobre coisas que ele não foi capaz.

Talvez ainda volte ao assunto. De qualquer forma, ‘Tropa de Elite 2’ é um filme que tem que ser visto e debatido.

Ah, mudando de assunto, aderi ao tal twitter:

http://twitter.com/mauricioasodias

Já havia, aqui mesmo neste blog, declarado que não acreditava que iria fazê-lo:

https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/2009/07/25/o-show-de-truman

Logo, cobro coerência do filme, mas eu mesmo não sou 100 % coerente. Mas também não sou um filme.


Troca de emails entre dois ex-estudantes de cinema

setembro 3, 2010

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1) de Mauricio O. Dias para Jorge Albernaz

data 25 de agosto de 2010 05:28

assunto            teoria cinematograhfica

Fui assistir uma palestra sobre roteiro com um certo José Carvalho, responsável por uma pós no assunto na PUC.
O cara é interessante, fala bem. Por conta dele corri atrás de um livro que eu desconhecia:’Story – Substância, Estrutura, Estilo...’ de Robert Mckee. Encomendei no estantevirtual.com.br, ainda não chegou.
A ficha corrida (a prática de roteirista) do Mckee no imdb, assim como a do tal Syd Field – nome de peso no assunto – , não inclui nenhum roteiro que seja digno de nota. Foi transformado em personagem pelo Charlie Kaufman no seu ‘Adaptação’
( http://www.imdb.com/title/tt0268126/fullcredits#cast ).

Mas não era disso que eu queria falar. O foco é este:
Também por influência do tal Carvalho fui ler o Christian Metz (A Significação no Cinema).

Vc tem este livro? Lembra alguma coisa?
Estou achando chatíssimo, extremamente mal-escrito (isto é um fato, não uma opinião; a tradução pode ter uma parcela de culpa), e que o cara dá voltas e voltas pra dizer algo que podia ser dito de forma muito mais sucinta.

Gosto de ler e escrever sobre cinema. É um dos interesses centrais da minha vida.
Mas devo deixar claro: a escolha de certos temas ou abordagens me parece incompatível com a condição de macho heterossexual. Em português bem claro, certas coisas só podem interessar às bonecas. Isto pode parecer uma bravata cafajeste, mas há algo de verdade aqui. (* nota ao final do post)

Vou deixar abaixo o link para um texto meu sobre roteiro que não sei se vc já leu. Modéstia à parte, acho interessante.
Qualquer um pode discordar do que digo ali, mas uma coisa acho inquestionável: o texto foi feito para ser claro, não para dar margens a dúvidas. Se alguém for questionar o que está ali, será por não concordar com o que digo; e não por ter ficado em dúvida sobre o que exatamente foi dito. Ao escrever um texto teórico mais rebuscado do que o necessário, além de não cumprir uma função didática, o acadêmico está construindo portas laterais pelas quais ele pode fugir para evitar uma colisão com alguém que venha em sentido contrário.
https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/2008/12/26
Isto tudo é algo que na época da faculdade eu já intuía, mas não tinha coragem de falar. Afinal, o professor que recomendava este tipo de livro era mais velho, tinha visto muito mais filmes que eu, ele falava francês, tinha mestrado em NY (you know who I’m talking about).
Precisei ler mais, envelhecer e ganhar experiência pra hoje ter certeza de que ele era medíocre como ser humano e professor – aqui é claro, não estou proferindo uma verdade, apenas emito uma opinião, com a qual vc pode discordar totalmente.

Abraço

2) de Jorge Albernaz para Mauricio O. Dias

data     25 de agosto de 2010 09:12

assunto            Re: teoria cinematograhfica

Fui olhar na estante e lá estava ele: “A Significação no Cinema”. Lido em outubro de 91, diz-me a anotação que sempre costumo fazer nas primeiras páginas dos livros que termino de ler. Nada me lembro. Folheando as páginas, a aridez, o deserto. Termos e expressões há muito esquecidos. Linhas marcadas. Por que cargas d’água as marquei?

As leis da linguagem cinematográfica ordenam enunciados no interior de uma narração, e não monemas no interior de um enunciado, menos ainda fonemas no interior de um monema.”

Que diabo!

Chego a um texto sobre 8 e 1/2. Um pouco melhor, mas rebuscamento para falar o óbvio.

Quanto tempo perdido! Livros na estante: Kracauer, Eisenstein, Ismail Xavier, Bázin.

Saussure!!! P(…) que pariu!

‘Saussure Sussura e eu Durmo’, nome de uma possível banda, chegamos a cogitar, não sei se você estava presente.

Alguns nem li.

Um oásis: as entrevistas do Bogdanovich com o Orson Welles.

Como você disse, tremenda viadagem. Espero que o livro que você encomendou seja melhor.

Tenho ‘O Passageiro’ como um dos filmes de minha vida. Vi-o apenas uma vez.

Já o baixei, no entanto tenho a mesma relutância do cara que marca um encontro com a primeira namorada depois de passar vinte anos sem a ver.

3) de Mauricio O. Dias para Jorge Albernaz

25 de agosto de 2010 11:56

assunto            Re: teoria cinematograhfica

Saussure Sussura e eu Durmo“.

Lembro, claro. Hehehe…

Pra concluir o curso da UFF tinha aquela m(…) da monografia (N.A. Na época, obrigatória ao final do curso), algo que considero uma imbecilidade – se vc entra na faculdade para aprender técnica cinematográfica, visando trabalhar com som ou fotografia, não tem porquê buscar um embasamento teórico se isto não for de seu interesse.
Então obriga-se a produção de textos teóricos, e é claro, 95 % são gasto de tempo e papel sem nenhum proveito real.
Da mesma forma, quem faz mestrado ou doutorado tem uma cota de texto a preencher. E dificilmente sai algo de bom.
Muita coisa deste livro do Metz deve ter sido escrita para justificar bolsas governamentais ou algo assim. Ninguém é chato dessa forma a troco de nada.
Se ele tivesse que dar expediente, bater ponto num escritório, tocar algum negócio da família, não gastaria tempo escrevendo aquilo tudo. Pense no quão improvável é a frase: “Trabalhei 8 horas hoje, mais meia hora pra chegar no trabalho e outra meia hora pra voltar. Cheguei em casa, tomei banho – mesmo sendo francês – , jantei, e agora vou sentar com o caderno e começar a escrever sobre semiótica.”
Não, não me soa crível. Não é algo que alguém faça por fé, paixão – ao contrário da arte do Monet, que passava privações na juventude, mas seguia pintando, ou do Kafka, escrevendo sem ganhar um centavo por isso, apenas para se livrar do tédio de seu emprego de burocrata. No caso do Metz e de vários afins, parece-me que um cara só escreve daquela forma se for incentivado psicologicamente e financeiramente.
A que fins interessa certo tipo de teoria?

* – Nota explanatória para o leitor, a qual não constava originalmente no email: Com esta afirmação não creio estar de forma alguma fazendo um juízo de valores sobre os gays, apenas colocando algo por mim observado ao longo de duas décadas de contato com o movimento artístico/ acadêmico no Rio de Janeiro. Lembrando que o texto em questão não foi escrito para o público, mas para um amigo de velha data – o que me permitia frases de efeito que eu não colocaria em outra situação – , não quis na realidade afirmar que só gays poderiam gostar do texto de Christian Metz, ou que você tenha de ser gay para apreciá-lo.

Já antevendo quaisquer possíveis queixas, coloco que, se eu tivesse dito que ‘todos os chineses têm olhos puxados’, ninguém se incomodaria com isso. Algum ‘conoisseur’ poderia chamar minha atenção, pois em certa província chinesa há uma minoria étnica que tem olhos amendoados, logo, a frase enunciada não é verdadeira. Mesmo admitindo uma possível solicitação de correção, ainda assim creio que, em tal caso, não acontecessem protestos. Coloco desde já que, a meu ver, tanto no caso dos olhos dos chineses quanto no dos apreciadores de Christian Metz, exceções só confirmam a validade da regra.

Outra explicação, mais sucinta, pode ser encontrada no link

http://www.youtube.com/watch?v=1VsIe20dWEA


O Gângster

julho 26, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Revi esta semana “O Gângster” (‘American Gangster’, 2007) de Ridley Scott. Belo filme, com atuações eficientes dos atores que interpretam os antagonistas. O roteiro, gerado a partir de fatos supostamente reais, também é muito bom. Mas só agora me dei conta do quanto uma cena em particular é absurda – e o fato de não o ter percebido da primeira vez que vi o filme me fez refletir sobre a eficiência da linguagem cinematográfica clássico-narrativa para envolver o espectador, inibindo sua descrença. O filme se passa em Nova York, boa parte dele no Harlem. A cena a que me refiro se dá quando Frank Lucas, o personagem interpretado por Denzel Washington leva seus irmãos e sobrinhos recém chegados da Carolina do Norte a uma lanchonete para falar sobre seu negócio. É dia claro, e ele fala brevemente, até que, pela janela vê um desafeto – o qual já foi mostrado anteriormente no filme – andando na rua.  Lucas levanta-se, sai da lanchonete, deixando os familiares ali; anda uns vinte metros até o sujeito. Troca umas poucas palavras com ele, pede um dinheiro que o mancebo estaria devendo a ele; diante do não-pagamento imediato, Lucas puxa um revólver, encosta-o na testa do indivíduo. O outro até argumenta, excessivamente sereno para alguém em tal situação:

“- Vai me matar? Tem testemunhas aqui.” (É verdade, há várias pessoas ao redor).

Lucas dispara à queima-roupa, matando o sujeito. Debruça-se sobre ele, revira o bolso, acha uma quantia em dinheiro, pega uma parte e devolve a outra.

Em seguida Lucas volta à lanchonete, senta-se de novo no mesmo lugar, e diante dos olhares espantados dos parentes, retoma a conversa.

Ora, esta cena é inconcebível. Mesmo que na vida real tivesse ocorrido desta forma – o que é pouquíssimo crível – , não se pode reproduzir isto num filme realista e querer que o espectador aceite. Na vida real, absurdos acontecem, todos já ouvimos falar de eventos cuja probabilidade de acontecer era uma em mil; mas a dramaturgia realista tem que ser mais crível que a realidade, porque a realidade se desenrola diante de nós independentemente de crermos nela ou não. Já a dramaturgia depende de crermos nela, se ela perder a nossa confiança, desmorona.

Então, o sujeito meter uma bala na testa de outro numa rua, diante de outras pessoas, e depois voltar à lanchonete para comer, é um pouco demais. Ele confia que a polícia não chegará? E que, caso a polícia chegue, ninguém se atreverá a identificá-lo como o responsável?

Além desta conclusão óbvia, há outra que se tira do desenrolar da trama, e que é mais sórdida. Todos os irmãos e sobrinhos de Frank Lucas, recém chegados da Carolina do Norte, e que presenciaram a cena, aceitam trabalhar com ele. Não se vê nenhum questionamento do tipo:

– Ei, cara, agradeço pelo convite, mas este seu negócio é violento. Isto não é pra mim, eu não quero me envolver em algo assim.

Mas isto não é mostrado. A aceitação é uníssona, e tal fato pode trazer em si algo de preconceito racial ou social: “Está vendo como estas pessoas não têm princípios? Como um assassinato covarde é aceitável para elas?”

OK, é apenas um filme cujo objetivo é entreter o espectador, e não se pretende a ser um tratado acadêmico…  Mas em dramaturgia é necessário criar personagens que sejam contrapontos, caso contrário, temos apenas personagens que são no fundo um único personagem-coletivo unidimensional, e não personagens individuais, com vontade e questionamento próprios e conflitantes.


O Delator

julho 14, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Já falei antes sobre a diferença entre ter talento e inteligência, usando o Tarantino como exemplo.

No entanto, lendo ‘Conversas com Woody Allen’ de Eric Lax, vi que o famoso cineasta nova-yorkino coloca entre seus filmes americanos favoritos ‘O Delator’ (‘The Informer’, feito em 1935) de John Ford. Fiquei meio chocado, porque Allen sempre me pareceu um sujeito inteligente.

Aqui, um parêntese. Levei anos para conseguir ter acesso a ‘O Delator’, e só o fiz recentemente, graças à internet – nem sei se foi lançado em DVD por aqui. Já tinha visto a maioria dos tidos como ‘os grandes’ do diretor Ford, ‘Vinhas Da Ira’, ‘Como Era Verde O Meu Vale’, ‘Depois Do Vendaval’ (‘The Quiet Man’). E muitos dos westerns ou ‘faroestes’, claro.

O único filme de Ford que revejo com alguma frequência é o politicamente incorreto ‘Rastros de Ódio’ (‘The Searchers’, 1956), um filme tematicamente datado, já que apresenta os índios como bárbaros sanguinários, prática inaceitável desde os anos 1960 – e que o próprio Ford renegaria em um de seus últimos filmes, ‘O Crepúsculo de uma Raça’ (‘Cheyenne Autumn’, 1964).

Pode-se – e deve-se – questionar a visão dos índios que permeia os westerns americanos dos primórdios do cinema mudo até os anos 1950. Mas não se pode negar que arrancar o escalpo do inimigo vencido seja um ato brutal, e que tal brutalidade já era praticada entre as tribos rivais antes da chegada do homem europeu. (continua abaixo…)

No caso de ‘Rastros de Ódio’, o fator ideológico perde força diante da grandeza do filme, uma das maiores obras do cinema americano e o melhor filme de Ford, sendo presença constante nas listas dos favoritos de cineastas os mais diversos: Jean-Luc Godard, Wim Wenders, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Paul Schrader.

John Ford (1894 – 1973) dirigiu mais de setenta filmes falados e outro tanto de mudos – muitos destes eram curta-metragens, que completavam a programação com outros filmes. A imensa maioria era de westerns. Boa parte deles ficaram datados por causa do sentimentalismo do diretor. Mas alguns filmes de Ford ainda são muito bons: ‘The Horse Soldiers’ (1959) , ‘The Man Who Shot Liberty Valance’ (1962) .

Voltemos a ‘O Delator’, eis sua trama: Na Irlanda em 1922, Gypo Nolan, um ex-membro do Exército Republicano Irlandês (I.R.A.) desempregado e passando necessidade, vê-se humilhado pela sua namorada, que cogita prostituir-se para obter dinheiro. Desesperado e sonhando com a possibilidade de migrar para os E.U.A, ele vê uma oportunidade ao encontrar um antigo companheiro de luta armada que é procurado pela polícia. Gypo o denuncia em troca da recompensa. Após o amigo ser morto pela polícia, o I.R.A. organiza um tribunal para tentar descobrir quem teria delatado um dos membros.

O diretor John Ford é de ascendência irlandesa. O autor da história em que o filme se baseia era aparentado dele, um escritor irlandês chamado Liam O’Flaherty. Isto pode explicar a escolha do tema, mas não a justifica: ‘O Delator’ é um dos filmes mais abjetos de todos os tempos, por uma série de razões.

1) Pra começar, o sotaque irlandês de todos os personagens é insuportável. Já vi filmes que se passavam na Irlanda e não tinham um sotaque tão carregado.

2) O personagem principal é absurdamente vil e burro; uma caricatura, nem vilã de novela mexicana dos anos 1970 é tão pouco crível.

3) Victor McLaglen, o ator que interpreta Gypo, é cheio de trejeitos, e cria um estereótipo grosseiramente construído de irlandês beberrão e brigão, o qual deve ser muito mais ofensivo para a imagem de um irlandês do mundo real do que os índios assassinos de ‘Rastros de Ódio’ são para os índios de hoje. É revoltante: ele fala de punho em riste, joga sua boina no chão em momentos de raiva… Enquanto escrevo isto, não me vem à mente, EM TODOS OS FILMES QUE JÁ VI, uma composição de um personagem pior que esta – a qual é, também, culpa do diretor, claro.

4) O filme é uma peça de propaganda pró-I.R.A., logo, pró-terrorismo. De acordo com a Wikipédia inglesa, aquilo que aqui e hoje entendemos como I.R.A. é, na verdade, uma atribuição inadequada a várias instituições diferentes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Irish_Republican_Army

http://en.wikipedia.org/wiki/Provisional_Irish_Republican_Army

http://en.wikipedia.org/wiki/Continuity_IRA

http://en.wikipedia.org/wiki/Real_IRA

O segundo, uma dissidência do primeiro, é que era o I.R.A. que lançava bombas (procedimento que só começou no fim dos anos 1960). O terceiro e o quarto são dissidências do segundo, também afeitas às explosões. Ainda assim, o primeiro – que é a que o filme se refere – não era de fritar bolinhos: “In Munster, the IRA carried out a significant number of successful actions against British troops, for instance the ambushing and killing of 17 of 18 Auxiliaries by Tom Barry’s column at Kilmicheal in West Cork in November 1920, or Liam Lynch’s men killing 13 British soldiers near Millstreet early in the next year.” Embora cometendo assassinatos políticos, a instituição original preferia concentrar suas forças para matar representantes locais das forças inglesas – o que, embora não seja digno de louvores, é um pouco ‘menos pior’ do que pôr bombas em locais públicos para atingir indiscriminadamente civis.

5) O personagem Frankie McPhillip, teoricamente o ‘mocinho’ da trama, é um assassino procurado. Quando se vê cercado pela polícia na casa de sua mãe, esta e a irmã de Frankie tentam conter os policiais que arrombaram a porta, ficando ambas entre a polícia e Frankie. Frankie começa a atirar contra os policiais, ignorando o fato de sua irmã e mãe estarem ali, junto deles.

6) Com um minuto e vinte e seis segundos de projeção, antes de a trama se iniciar, lê-se um intertítulo falando da traição de Judas a Jesus. É uma tentativa astuta de criar uma conexão: O poder inglês está para a Irlanda como o poder da Roma Imperial estava para o Israel do século I a.C. Só que esta comparação é perversa, pois acaba por comparar também um líder espiritual – que em nenhum momento prega ações homicidas – com um assassino.

7) Depois que Gypo consegue escapar da carceragem do I.R.A. vai até o conjugado de sua namorada. Lá ele confessa ter delatado Frankie, e diz que o fez por causa dela – para que ambos tivessem dinheiro para tentar uma nova vida. Depois que ele adormece, ela vai até o comandante do I.R.A. implorar o perdão para Gypo, e termina dizendo a ele que Gypo está em seu conjugado. Então, há aqui um paradoxo. O que ela faz é também uma delação. Mas o nome do filme não é ‘Os Delatores’, e sim ‘O Delator’: assim apenas a delação feita por Gypo fica qualificada como tal. Só há delação condenável quando é contrária aos interesses do I.R.A.; quando esta delação serve ao grupo, não merece condenação.

Mesmo sendo esta colcha de defeitos, em seu lançamento o filme foi um sucesso de crítica, recebendo os Oscars de melhor diretor, roteiro e ator (putz!) para Victor McLaglen, além do de trilha sonora. Isto prova que a burrice da Academia de L.A. não é coisa recente.

Um ponto alto do filme é sua fotografia, que tem momentos altamente interessantes. E o filme apresenta, de fato, uma inovação para a linguagem do cinema americano: o personagem principal é um vilão sórdido. Não conheço a história em que se baseia, não sei se nela o mesmo ocorre. Mas, fora do cinema americano, este protagonista-monstro já tinha sido visto nas telas: No filme alemão ‘M‘ (1931) de Fritz Lang, o protagonista é um psicopata matador de crianças. Curiosamente, em ambos os filmes o personagem principal é submetido a um tribunal paralelo, composto por indivíduos que atuam fora da lei.

Há também uma espécie de louvação do cristianismo, personificado nos personagens da irmã e da mãe de Frankie, já que ambas, católicas devotas, aceitam perdoar Gypo. Mas este contexto cristão não está no centro da trama, aparecendo apenas para dar uma chance de redenção ao personagem principal.

Curioso é notar que há um diálogo entre os filmes de John Ford e os posteriores filmes do italiano Sergio Leone: ‘O Delator’ x ‘Quando Explode a Vingança’ (‘Giù la testa’, 1971) – em ambos os filmes há um irlandês filiado ao I.R.A. que migra ou planeja migrar para a América do Norte, uma delação e um subsequente justiçamento; e ‘Rastros de Ódio’ x ‘Era uma vez no Oeste’ (‘C’era Una Volta il West’, 1968) – em ambos, famílias de camponeses pioneiros do velho Oeste são massacradas por disputa territorial entre grupos.


Send in the Clowns

junho 22, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Certa vez ouvi pessoalmente de um GRANDE artista plástico brasileiro, referindo-se a ‘O Gordo e o Magro’ (em inglês ‘Laurel and Hardy‘) :
Eles, o Buster Keaton, Totó… para mim estes todos estão entre os maiores artistas do século XX. Levaram alegria para milhões de pessoas.

Entendo perfeitamente o que ele disse. Cresci vendo os velhos episódios de meia hora da dupla na TV, tinha coisas geniais.
Há alguns anos assisti um documentário sobre eles, e falava-se como a fama da dupla fôra mundial. Há um trecho particularmente tocante, que daria uma grande cena de cinema: Encerrada a Segunda Guerra, já em 1947, e bem após o apogeu de seu sucesso, que se dera entre 1930-36, eles foram fazer uma tour na Inglaterra. Não sabiam se ainda tinha apelo para serem bem recebidos e estavam receosos: dois comediantes na faixa dos 55 anos de idade, conscientes do fato de já estarem no outono de suas carreiras.

Logo ao entrarem no palco, o publico levantou-se, ficando de pé para aplaudi-los por alguns minutos (pense no que significa um aplauso coletivo durar mais de um minuto!). Hardy – o Gordo – , emocionadíssimo, chorou convulsivamente.

Só de pensar nesta cena, me emociono. “Nine out of ten film stars make me cry“, como há muito tempo falou um compositor bahiano. (continua…)

O meu gosto por comédia e minha permanente nostalgia me fizeram baixar alguns Looney Tunes (‘Gaguinho e Patolino’; ‘Piu Piu e Frajola’; ‘Papa Léguas e Coyote’; ‘Pernalonga’; links para baixá-los ao final do texto). Estou dando a cara a tapa aqui: Em certa medida, confessar que na minha idade ainda sou capaz de ver Looney Tunes é como assistir a lutas de vale-tudo ou a filmes pornôs: coisas, que as pessoas bem-educadas não deveriam fazer; e se as fazem, deveriam ter o bom senso de não admitir em público. Uma das muitas vantagens de ter sobrinhos é que você pode mentir e dizer que estava baixando os desenhos pra mostrar a eles.

Imagino que quase todos, em alguma ocasião, já tenham visto na TV o desenho animado exibido na foto acima.
Era um lobo (ou coiote) magrelo tentando roubar ovelhas que eram vigiadas por um cão pastor corpulento. Não sei se tinha nome em português, no original era ‘Wolf and Sheepdog’, ou ‘Ralph and Sam’.
O mais engraçado é que em vários dos episódios – talvez em todos, foram feitos apenas sete ao longo dos anos 1950 e 60 – o lobo e o coiote chegavam de manhã ao local, se cumprimentavam amistosamente, batiam cartões de ponto e esperavam a sirene tocar para assumir seus papéis.
A partir daí, o lobo tentava seguidas vezes, e das formas mais estapafúrdias, roubar uma das ovelhas. Desnecessário dizer que falhava sempre: em muitas ele se ferrava sozinho, em outras era interpelado pelo cão pastor, sempre com direito a murros, quedas de penhasco, esmagamento por rochas imensas, explosões.
Tocava a sirene de novo, o lobo e o cão batiam novamente seus cartões, se despediam na maior cordialidade, e seguiam, presumivelmente, cada um para sua casa. Isto é que é surrealismo.

Penso que a diferença corporal entre a esqualidez do Lobo e a  corpulência do cão pastor seja de alguma forma um tributo a ‘Laurel and Hardy‘.

O animador americano Chuck Jones (1912 – 2002) foi o principal nome por trás de todos os desenhos citados (‘Pernalonga’; etc.), feitos entre 1939 e 1963 – mas a carreira dele durou pelo menos cinco décadas.
Lembro da imagem de Quentin Tarantino aplaudindo e gritando entusiasticamente em 1996, quando Jones recebeu o Oscar Honorário pelo conjunto de sua carreira – ele já recebera a estatueta uma vez por ‘The Dot and the Line: A Romance in Lower Mathematics‘ (1965).

É claro que após baixar os desenhos, fui conferir algumas informações na web. Ora, vejam só:  Sempre achei que neste desenho animado d’ ‘O Lobo e o Cão-Pastor’, o protagonista fosse o mesmo personagem que persegue o ‘Papa-Léguas’ (‘The Road Runner‘), mas só agora descobri que, na verdade, apesar das enooormes semelhanças, possuem identidades diferentes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Ralph_Wolf

http://en.wikipedia.org/wiki/Wile_E._Coyote

‘O Gordo e o Magro’
http://www.laurelandhardy.org

Para baixar ‘Looney Tunes’ :

(obs. N.A. – Cerca de um ano após a publicação deste texto, percebi que o link abaixo não mais era válido.)

http://cine-anarquia.blogspot.com/2010/06/looney-tunes-golden-collection-dvdrip.html


Morde e assopra

maio 28, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Nota introdutória:

Eu tinha escrito em 22-05 o texto abaixo, tacando o pau em ‘Vicky Cristina Barcelona’, que só na véspera eu assistira. No dia seguinte saiu a coluna de Caetano n’O Globo, eu escrevi sobre ela, e resolvi segurar o texto sobre ‘Vicky…’ por uma semana e lançar o outro. Até aí tudo bem. Mas neste meio tempo revi ‘Zelig’, o ‘falso documentário’, um filme absolutamente perfeito. E depois disso fiquei com pena – e até um pouco de raiva de mim mesmo – por falar mal de Woody Allen, alguém a quem realmente admiro e que fez tantos filmes maravilhosos (embora eu já tenha reconhecido a qualidade deles num outro texto, que por sinal eu voltei a citar) .

A bem da verdade, ‘Vicky…’ não é um filme horrível. E nem é o pior de Allen, que andou fazendo coisas terríveis, como ‘Igual a Tudo na Vida’ e, sobretudo, ‘Dirigindo no Escuro’. Mas, como houve uma época em que o padrão Woody Allen era tão elevado, que, neste contexto, o filme passado na capital catalã destoa muito. Se fosse uma destas comédias românticas feitas em Hollywood, estaria OK; mas para Woody é fraco.

Curioso é que alguns dos fatos por mim criticados em ‘Vicky…’ estão também presentes em ‘Zelig’: é bastante improvável o fato de a cientista e sua irmã pilotarem aviões; a cientista tem uma aprazível casa no campo; ninguém parece ter preocupação com dinheiro – e olha que o filme se passa na depressão dos anos 1930. Mas em ‘Zelig’ nada disso me incomoda, porque, como a premissa do filme é irrealista e absurda, talvez a partir daí o espectador costume exercer uma concessão de credibilidade.

Como o texto sobre ‘Vicky…’  já estava pronto, achei melhor lançá-lo:

Há um certo período da carreira do Woody Allen que é digno dos maiores elogios – os quais eu já fiz em https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/2010/05/15/um-dos-grandes-nomes-do-showbiz-no-seculo-xx

No entanto, o mesmo cara que escreveu os diálogos maravilhosos de ‘Manhattan’ e outros fimes é capaz de baboseiras como esta abaixo, extraída de ‘Vicky Cristina Barcelona’, a qual não é aceitável nem se sua intenção era zombar da pretensão do personagem – o que não fica claro.

Narrador (em off, a respeito do personagem Cristina): “(…) Já pensava nela mesma como uma espécie de exilada; ali ela não era sufocada pelo que acreditava ser a puritana e materialista cultura americana, para a qual não tinha muita paciência. Via a si própria mais como uma alma européia. Em sintonia com os artistas e pensadores amigos de Juan Antonio, sentia expressada sua trágica, romântica e livre concepção da vida.

Pior que essa pretensão, só as pinturas mostradas no filme – atribuídas aos personagens do casal interpretado por Javier Bardem e Penélope Cruz. E é tudo irritante, aquelas pessoas que nem imaginam o que seja ter que trabalhar com horário e patrão para ganhar dinheiro – nada contra haver UM dândi na trama; mas ali TODO MUNDO é dândi:Vicky estava terminando seu mestrado em Identidade Catalã, tema pelo qual se interessou devido a sua grande afeição pela arquitetura de Gaudí.

É, extremamente comum para um personagem americano, país impregando pelo pragmatismo, alguém ir para a Espanha concluir mestrado em “Identidade Catalã”. O quê? Vai me dizer que você, caro leitor subdesenvolvido, não conhece ninguém que faça mestrado em “Identidade Catalã”? Culpa sua, que não mora dentro de um filme do Woody Allen.

E há também o clichê do artista boêmio e latin-lover – que pilota aviões, dirige um conversível, é filho de um poeta e mora numa adorável villa. Ai, a náusea… Também está presente a histérica e passional espanhola, capaz de atos agressivos, suicidas e até homicidas. Um parênteses : Devo reconhecer que aqui Woody marca ao menos um ponto; não dá para o espectador passar indiferente à visão de um beijo trocado entre Scarlett Johansson e Penélope Cruz. O diretor septuagenário convida ao fetiche, e não há como recusar.

O filme todo tem cheiro de encomenda de Secretaria Municipal de Turismo. Aliás, a possibilidade de Woody vir filmar no Rio de Janeiro só se justifica por razões semelhantes.


Um dos grandes nomes do showbiz no seculo XX

maio 15, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Estou revendo os Woody Allens da virada dos 1970/80, uma bênção fornecida pelo movimento bucaneiro cibernético (procurar pelo nome do diretor em http://cine-anarquia.blogspot.com ).

Grandes filmes, com alguns dos melhores diálogos já vistos na tela.

A fase áurea de Woody vai de ‘Annie Hall’ (1977) até ‘A Era do Rádio’ (1987); há algumas obras-primas, e quase todos os títulos do período são ótimos, com a exceção de ‘Interiores’, uma pífia imitação de Bergman.

Já escrevi sobre o diretor, há anos, no link http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1168 (O texto, apesar de embebido em meu usual amadorismo, não é de todo mau. Um editor poderia salvá-lo.)

Voltando aos filmes deste período, em muitos deles, em meio a todo o humor, são colocadas questões morais/éticas, em geral ligadas ao tema do adultério e fidelidade para com os amigos. Há também considerações sobre a arte (‘Memórias’) e individualidade (‘Zelig’). Um que coloco entre os melhores, e que poucas vezes é devidamente lembrado é ‘Broadway Danny Rose’ (1984). Segue um dos diálogos:

– É importante sentir remorso! Do contrário, fazemos coisas terríveis! É essencial. Sinto o tempo todo, sem jamais ter feito nada. Meu rabino diz que todos temos culpa perante Deus.

– Acredita em Deus?

– Não, mas sinto remorso por isso.

No entanto, revendo o grandioso ‘Manhattan’ (1979), cheguei à conclusão que seu final, embora na tela funcione maravilhosamente, é moralmente decepcionante (Pra quem não viu o filme ainda, vou contar detalhes, inclusive o final).

Resumo da obra: Woody, cerca de 45 anos na época, estava envolvido com uma menina de 17 (a beldade Mariel Hemingway, neta do escritor; ver fotos em http://www.imdb.com/name/nm0000446/mediaindex; nem no cinema dá pra acreditar numa princesa destas envolvida com um coroa baixinho, feio, calvo e narigudo). A diferença de idade por si só já é um pouco estranha – mais de uma década depois se veria isto repetir-se na vida pessoal do cineasta. Mas, ao menos, tal diferença de idade entre o par romântico no filme não é dada como um fato natural. O personagem de Woody várias vezes fala sobre isto, incomodado; fala inclusive com a própria jovem. E ele torna-se alvo de uma piada de outro personagem: “– Em algum lugar Nabokov está sorrindo, se é que me entende?

Mas então ele conhece outra mulher, a ex-amante de seu melhor amigo, e dispensa Mariel. Ela era apaixonada por ele e, jovem, sofre muito. Passam-se cerca de seis meses. Depois que a nova namorada volta pro ex-amante, Woody entra em depressão e opta por correr atrás da jovenzinha. Chega no momento exato (Deus ex machina) em que ela está de partida pra Inglaterra. Ela já está com tudo pronto, apartamento alugado na terra da Rainha, matrícula feita num curso, vai estudar algo importante para a carreira a que aspira. E ele, que antes a incentivara a ir, pede que ela desista de tudo e fique com ele.

Até aí, não parece nada de mais. Comédia romântica é pra isso mesmo. O problema é que, no filme, dez minutos antes, há a cena em que Woody vai até o trabalho de seu melhor amigo – o ex-amante da mulher que Woody namorava na época -, cobrar satisfações, pois descobriu que este estava encontrando sua namorada pelas costas. Então segue-se o maravilhoso diálogo abaixo:

W.A. – Que tipo de amigo louco é você?

– Sou um bom amigo. Eu apresentei vocês, lembra-se?

W.A. – E daí? Eu não entendo.

– Eu achei que gostasse dela.

W.A. – Eu gosto! Agora nós dois gostamos!

– Mas eu gostei dela primeiro!

W.A. – “Eu gostei dela primeiro”? Você tem seis anos?

– Eu achei que havia acabado. Eu teria encorajado você a chamá-la para sair se ainda gostasse dela?

W.A. – Gostava dela, depois não gosta mais. Aí volta a gostar. Ainda é cedo. Pode mudar de idéia antes do jantar.

– Não seja sarcástico. Você acha que gosto disto?

W.A. – Por quanto tempo se encontraria com ela sem me dizer nada?

– Não transforme isto numa de suas questões morais.

W.A. – Bastava você ter me ligado e conversado comigo. Sou compreensivo. Eu diria “não”, mas aí você teria sido honesto.

– Eu queria lhe contar. Mas sabia que ficaria aborrecido. Tivemos uns encontros inocentes.

W.A. – Alguns? Ela disse um! Vocês deveriam combinar a história. Não ensaiaram?

– Nós nos encontramos duas vezes para um café.

W.A. – Ei, pode parar. Ela não toma café. O que fizeram, tomaram Sanka? Não é muito romântico. É um pouco geriátrico.

– Eu não sou santo.

W.A. – Mas é condescendente consigo mesmo. Não percebe? Esse é seu problema. Você racionaliza tudo. Não é honesto consigo mesmo. Diz que quer escrever um livro, mas prefere comprar um Porsche. Você trai Emily e mente para mim…e logo estará diante de um comitê do Senado… denunciando golpes, dedurando seus amigos!

– Você é tão arrogante. Somos apenas pessoas! Apenas seres humanos! Você acha que é Deus!

W.A. – Eu preciso ter um modelo.

– Não dá para viver deste jeito. É muito perfeito.

W.A. – O que as gerações futuras dirão de nós? (aponta um esqueleto de um hominídeo primitivo – a cena se passa numa sala de aula de biologia) Um dia, seremos como ele. Ele provavelmente era uma das pessoas bonitas. Talvez ele estivesse dançando e jogando tênis. É isso que vai nos acontecer. É muito importante ter algum tipo de integridade pessoal. Estarei pendurado numa sala de aula um dia… e quero ter certeza que serei bem lembrado.

Pois bem, alguns minutos depois desse diálogo, o mesmo sujeito que reduziu o amigo ao tamanho de seu caráter, vai atrás de uma menina de 17 anos e, jogando tênis com a cabeça dela, após tê-la dispensado, tenta agora mudar a direção que sua vida tomava e impedi-la de fazer algo que, sem dúvida, será engrandecedor para ela. E age assim apenas para não ficar sozinho. Não seria muito mais coerente se, ao chegar lá e vê-la pronta pra partir, lhe desse um abraço e desejasse tudo de bom? Que ele, à custa de seu próprio sofrimento, a incentivasse a ir no caminho mais correto, como Humphrey Bogart fizera com Ingrid Bergman no final de ‘Casablanca’? (filme dos anos 1940 e referência-chave para a carreira de Woody, que além de citar um de seus diálogos neste mesmo ‘Manhattan’ – “Nós sempre teremos Paris.” – o satirizou respeitosamente em sua peça ‘Sonhos de um Sedutor’. Esta peça foi transposta para o cinema, sendo dirigido por Herbert Ross com Woody no papel principal).

Então, se depois do sermão no amigo, Woody vai e age de forma egoísta para com a menina de 17 anos, isto não tira boa parte da validade do seu belo discurso? Ou, pretendeu o diretor mostrar que há validade na atitude do amigo réprobo: “Somos apenas pessoas! Somos apenas seres humanos! Você acha que é Deus!

‘Manhattan’, como outros de Woody Allen, é um filme para se rever várias vezes.


Sonhos Roubados

abril 22, 2010

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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa

Chegamos ao grand écran. Fico feliz por meu nome constar da lista dos roteiristas em http://www.sonhosroubados.com.br/ficha.html .
O filme se baseia num livro/reportagem da jornalista Eliane Trindade, ‘As Meninas da Esquina’, e relata histórias de meninas menores de idade que fazem ‘programas’ para obter dinheiro.
São seis roteristas listados, mas não tive a oportunidade de conhecer a todos pessoalmente. Como todo roteiro de longa metragem que se preze, passou por vários tratamentos em diferentes etapas. Aquele em que participei foi em parceria com José Joffily. Na página citada tem links para trailer e entrevistas com: a diretora Sandra Werneck; as atrizes; o responsável pela trilha sonora, Fabio Mondego; o grande fotógrafo Walter Carvalho; e a autora do livro.
“Sonhos Roubados” levou dois prêmios no Festival do Rio 2009: melhor filme pelo voto popular e melhor atriz para Nanda Costa.

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Aqui, uma matéria de Ricardo Kotscho sobre o filme:
http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/2010/04/06/a-vida-por-um-fio-em-sonhos-roubados

Estréia nos cinemas no dia 23-04-2010.