Coppola e os chefões

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por Mauricio Dias

Uma das informações dadas no documentário “Easy Riders, Raging Bulls: How the Sex, Drugs and Rock ‘N’ Roll Generation Saved Hollywood” é que a máfia comprou a Paramount nos anos 70.

A partir disso elocubrei um pouco:

A produtora de ‘O Poderoso Chefão’ (The Godfather) é a Paramount.

Já se tinha diretores italo-americanos antes de Coppola: Gregory La Cava, Frank Capra – um dos maiores nos anos 30. Ida Lupino, apesar do nome, era inglesa e começou como atriz, carreira que manteve depois que passou a dirigir, sendo um nome pouco conhecido.

Entre os atores houve Marlon Brando, e mesclando atuação com música, Sinatra e Dean Martin. O grande ícone do cinema mudo Rodolfo Valentino (Rudolph para os americanos) só foi para os EUA quando era um rapaz de dezessete ou dezoito anos. Talvez haja algum outro nome entre os diretores ou atores que eu esteja esquecendo, se alguém lembrar, emails para a redação (Por favor, ninguém venha falar de Fellini ou Visconti, está se falando de ítalo-AMERICANOS.). Pode ter havido outros diretores que mudaram o nome pra soarem menos étnicos (Prática mais comum entre atores, na Hollywood dos anos 40-50 vários mudavam.), não era muito bem visto aos olhos do establishment não ser anglo-saxão. Rita Hayworth, Anthony Quinn e Kirk Douglas, entre outros, são pseudônimos inventados.

Depois que a máfia comprou a Paramount nos anos 70, surgiram Coppola, Scorsese, Brian de Palma.

Por que tantos carcamanos surgindo ao mesmo tempo?

“Ah mas Coppola fez um filme que era contrário aos interesses da Máfia…”

Será?

Se você pensar bem, o tratamento que é dado aos mafiosos nos ‘Chefões’ é bem respeitoso. Centra-se em supostos ‘senhores feudais’ da Máfia, enquanto filmes muito posteriores como ‘Os Bons Copanheiros’ de Scorsese mostram os ‘guerreiros’. Tanto o Dom Vito quanto Michael eram sérios (nunca são mostrados traindo as respectivas esposas, por exemplo), inteligentes e só apelavam para a violência em último caso. Se você vir os Sopranos, verá um tratamento totalmente diferente: gente mal-educada, cafajeste, que age de forma totalmente equivocada e é gratuitamente covarde para com quem não pode se defender (quem é de fora do círculo, mesmo subalternos).

A não ser pelo terrorismo com o produtor de cinema, em nenhum outro momento é mostrado os Corleone se aproveitando das pessoas normais (os ‘civis’), estas pessoas sofrendo as consequências das desonestidades deles. Mesmo a morte da prostituta no Poderoso Chefão 2 é mostrada de passagem, só depois de consumada, e do jeito que está no filme crê-se que foi o senador quem a matou – só na versão em dvd com comentários de Coppola é que se esclarece que ela foi morta por um capanga dos Corleone.

Realmente, nos ‘Chefões’ os mafiosos quase não fazem mal aos ‘civis’, restringem sua violência aos ‘soldados rivais’. Fora isso, morrem um policial corrupto, uma amante de gângster que é metralhada junto ao seu mantenedor – mas mulher de bandido não conta, e isso vale para a primeira mulher de Michael que morre numa explosão na Sicília – e um cavalo, que é decapitado. Não vemos a reação das pessoas ao chegarem em suas casas, descobrindo que foram depenadas por Vito Corleone (no segundo filme, quando ele é interpretado por DeNiro). O impacto e a degradação que drogas e jogo trazem para a sociedade – vejam ‘Cassino’ de Scorsese – aqui também não se fazem presentes.

Em entrevista à Playboy nos anos 70, Al Pacino disparou: “- O que são os Corleone comparados a Nixon?”

Pacino é um gênio da interpretação, mas politicamente é tendencioso, como deixou claro ao aceitar participar da versão televisiva do super-hiper-estimado e perverso panfleto gay ‘Angels in America‘ (Sei que estou soando como moralista, mas acho que dramaturgia tem que ser moral.  ‘Angels in America‘ poderia perfeitamente ser um panfleto gay sem ser perverso, mas é muito mais perverso do que gay, ao mostrar um aidético como um profeta que sobe aos céus e declara Deus passível de um processo legal; além disso, o texto transforma o personagem real Ethel Rosenberg em mártir.)

Voltando aos ‘chefões’… Ainda assim, os dois primeiros da série são fundamentais no cinema. Só não entendo porquê, na parte que se passa em Cuba, Hyman Roth tinha que ser morto na virada do ano: o matador contratado por Michael é mostrado em várias cenas no quarto de Roth, então por que espera pra exercer seu ofício até aquele momento? A velha história: a criação de uma expectativa, mesmo que à fórceps, é uma necessidade do cinema…

NOVAS CENAS PARA O CHEFÃO

Volto neste texto a escrever trechos que considero incompletos ou ausentes em um clássico do cinema americano. No caso, trata-se de ‘O Poderoso Chefão – parte II’.

Neste filme em particular, há uma cena que sempre me pareceu ambígua: o assassinato de uma prostituta pelo Senador Pat Geary. Relembrando: Um avião pousa, não sabemos exatamente onde. Tom Hagen e Fredo – os personagens de Robert Duvall e John Cazale, respectivamente – chegam num prostíbulo, o gerente cumprimenta Fredo com intimidade. Os três seguem por um corredor, passando por algumas prostitutas, há um clima de tensão no ambiente. Param diante de um quarto. Tom manifesta o desejo de entrar sozinho. Lá ele encontra o Senador Pat Geary enrolado numa toalha, sentado no chão ao lado da cama, onde vê-se o corpo ensangüentado de uma prostituta. O Senador diz que ele costumava ‘brincar’ com ela, mas que seria incapaz de tê-la machucado. Ele olha o corpo, tenta limpar o sangue, começa a chorar. Al Néri, o capanga de Michael Corleone aparece à porta. Tom, com um sinal de cabeça, manda-o sumir. Tom e o Senador conversam, Tom diz que o lugar é dirigido por Fredo, e que ele foi chamado antes de qualquer um. Diz que aquela garota não tinha família, e que ninguém saberá que ela existiu ou trabalhou ali – desde que o Senador aceite a amizade de Michael Corleone. A partir deste momento, o Senador estará irreversivelmente comprometido com Michael.

Bem, da primeira vez que vi o filme fiquei na dúvida se o Senador teria ou não matado a prostituta, ou se isto era uma artimanha dos Corleone para amarrá-lo a eles. Ingenuidade minha, que à época era ainda adolescente? Revendo a edição em dvd com comentários do diretor, Coppola fala abertamente: Al Néri foi até lá e espancou e matou a prostituta. O Senador evidentemente fora dopado, para estar inconsciente no momento.

Esta cena tem um erro de lógica ‘in Principia’: se o objetivo dos Corleone era ter um trunfo contra o Senador, seria muito mais óbvio que tirassem fotos dele na cama com a prostituta do que a matarem. Neste primeiro caso já haveria provas palpáveis, as fotos, mais que suficientes para destruir a carreira de um político nos EUA dos anos 50.

Mas vamos admitir que eles optassem por matá-la. Não é impossível, são gente brutal e sem escrúpulos, e fica muito mais dramático desta forma. A partir daí, como conduzir a situação? Sempre tenho uma preocupação com a moral nos filmes, evidentemente não compartilhada por muitos dos que trabalham na área. Para reforçar este ponto poderia-se colocar Tom saindo sozinho do avião e já sendo recebido no prostíbulo por Fredo. E após o encontro no quarto entre Tom e o Senador seria necessário inserir um diálogo entre Fredo e Tom:

INT/ NOITE – Corredor do prostíbulo

O Senador, já vestido, sai do quarto com Tom. Passam pelas prostitutas, que os olham com raiva. Fredo se aproxima.

Fredo – Tom, podemos falar em particular?

Tom – Eu tenho que acompanhar o Senador até o avião.

Fredo (segura o ombro de Tom, o retém) – Só vai levar alguns minutos, e é importante…

Tom (surpreso) – Al, leve o Senador até o carro, eu e Fredo vamos só ter uma conversa.

Al Néri surge, e, gentilmente, faz um gesto para que o Senador o acompanhe.

Os dois SAEM.

Tom (contrariado) – O que foi, Fredo?

Fredo olha ao redor, vê as prostitutas.

Fredo – No meu escritório…

INT/ NOITE – Escritório de Fredo

Uma escrivaninha, duas cadeiras, um sofá de dois lugares.

Fredo senta no sofá e faz um gesto para Tom sentar-se ao seu lado. Tom, gentilmente, recusa com um gesto, permanecendo de pé.

Fredo – Tom, de quem foi a idéia?

Tom – Michael e eu conversamos, achamos que podia dar certo.

Fredo – Por que não me avisaram… que iam matar a garota?

Tom – (Interjeição de silêncio) Shhhhh… (fala em siciliano) Este assunto morreu. Não se fala mais nisso.

Fredo – Por que não me avisaram? Eu não gosto de ser mantido por fora.

Instantes.

Tom – Certo… Da próxima vez que surgir um assunto assim, ligaremos de Tahoe e explicaremos todos os detalhes a você por telefone. E se a polícia estiver gravando a conversa, vai ter acesso a tudo.

Instantes.

Fredo – Tom, eu conhecia esta garota. Já trepei com ela algumas vezes… Eu dirijo este lugar, convivo com estas pessoas. Como você acha que as outras garotas vão lidar com isso? Acha que vão se sentir seguras? Que nunca vão tocar no assunto?

Tom – Cabe a você se encarregar de que nunca mais falem nisso. Diga que o assunto está morto e não vai admitir que se fale mais nele. Se depois disso, uma das garotas fizer algum comentário, dê-lhe um soco na boca. (pausa) Preciso explicar a você este tipo de coisa?

Fredo – Tom, ela era inocente… Ela trabalhava pra nós, e nunca fez nada errado. Aí o Néri chega aqui e mata a garota, sem ninguém me avisar. Não é como matar o Tessio porque ele estava nos traindo. Ela, coitada, não fez mal a ninguém…

Tom – O que você achou que ia acontecer quando falamos a você que escolhesse uma garota sem família?

Fredo – Eu não pensei que fosse pra isso! Vocês não me disseram o que queriam fazer. Vocês sabem que eu dirijo este lugar e passaram por cima da minha autoridade.

Tom – Lamento, Fredo. Gostaria que tivesse outro jeito.

Fredo – E aquela pobre garota… Se o Papa fosse vivo, não aprovaria isso.

Instantes.

Tom – Acho que você está enganado, mas não há como saber… (pausa) Eu tenho um avião pra pegar, Fredo.

Fredo (aponta a porta) – Pode ir, Tom.

Tom hesita, vê-se que ele quer um gesto de aproximação. Instantes.

Tom – Nós já não nos vemos há dois meses… Vamos nos despedir sem um abraço?

Fredo hesita, levanta e dá um abraço em Tom.

Fredo – Diga pras crianças que o tio Fredo mandou um beijo.

Tom (sorri aliviado) – Pode deixar…

Fredo abre a porta pra Tom.

Fredo – Eu te acompanho até o carro.

Os dois SAEM.

Fim da cena.

Esta cena é importante não só por mostrar uma preocupação com a des-humanização da família Corleone, algo que é um tema recorrente ao longo do filme, mas para levantar uma questão fundamental para o desfecho da trama: Tom Hagen sabia que Michael iria matar Fredo?

Entram aqui dois pormenores inerentes a esta questão:

1)     Michael contaria a Tom seu plano? Por que o faria?

2)     Se Michael contasse, Tom tentaria demovê-lo da idéia?

1)     Michael contaria a Tom seu plano? Por que o faria?

Há uma cena em que Fredo e Anthony – o filho de Michael – estão se preparando para ir pescar – não é a cena do assassinato de Fredo ainda. Tom passa andando, dirigindo-se para uma reunião com Michael, e sente um ‘desconforto’ ao ver Fredo e Anthony juntos. É um indício de que ele sabia o que estava reservado a Fredo.

Como Tom ocupa o cargo de ‘consiglieri’ (conselheiro do ‘Dom’), é mais provável que soubesse do que iria acontecer – embora não haja prova disso no filme.

2)     Se Michael contasse, Tom tentaria demovê-lo da idéia?

Temos que lembrar que já bem próximo ao final do filme, na cena em que Michael se mostra irredutível quanto à morte de Hyman Roth – ainda que esta seja logisticamente difícil – , há um entrevero entre Michael e Tom. Michael acusa-o de ter mantido silêncio a respeito de uma proposta de trabalho que recebera de um grupo concorrente. E Michael diz que se Tom não concordar com os planos dele, é livre para aceitar a tal proposta e ir embora. Ou seja, devido à traição de Fredo – e de certa forma, também à traição de Kay, configurada pelo aborto – , Michael não confia mais em ninguém.

Tom se magoa de ser alvo de desconfiança, isto é nítido. A partir disto, do ponto de vista de Tom, questionar Michael sobre matar ou não Fredo seria correr o risco de parecer insubordinado, não respeitar a hierarquia. Tom estaria disposto a correr este risco, vendo que Michael está cada vez mais inflexível?

Não creio que seja possível afirmar com certeza ‘sim’ ou ‘não’ a esta pergunta. Mas o fato é, com um ‘sim’ como resposta seria possível obter uma bela cena dramática, enquanto o resultado com um ‘não’ dificilmente lhe faria frente. Esta cena que pensei poderia seguir a reunião em que Michael e Tom tem um rusga.

INT/ NOITE – Escritório de Michael

Michael, Tom e Rocco estão sentados, acabaram de falar sobre o assassinato de Hyman Roth.

Tom – Michael, há um assunto particular que eu gostaria de falar com você.

Michael – Podemos falar agora…

Tom – É algo pessoal.

Michael – Rocco, nos dê licença.

Rocco aquiesce e SAI, fechando a porta atrás de si.

Michael – O que foi, Tom?

Instantes.

Tom – É um assunto difícil, Michael.

Michael – Você sempre falou diretamente, Tom. É uma qualidade sua. Seja direto.

Tom – Michael, por favor, não faça nada contra o Fredo.

Instantes.

Michael (suspira, cansado) – Tom, ainda há pouco falei: se você não concorda com meus planos, é livre para deixar a família e ir administrar o hotel em Vegas.

Tom – Eu estou aqui como irmão, não como ‘consiglieri’. (pausa) Fredo é seu irmão, seu irmão de sangue. Você não pode tratar isso como apenas negócio. Ele é filho do seu pai e da sua mãe. É parte do legado deles. Agir contra ele seria como agir contra o Papa e a Mama.

Instantes.

Michael – Era só isso que você tinha a dizer?

Tom – Michael, eu conheço você desde garoto… Pense no que seria ter a morte do seu irmão nas suas mãos. Como você se sentiria? Não digo hoje, ou amanhã, mas daqui há cinco, dez anos?

Michael – Você está se preocupando à toa, Tom.

Tom concorda com a cabeça. Instantes.

Tom (desconfortável) – Eu vou deixá-lo só agora, tenho que dar um telefonema.

Tom levanta-se e SAI. Michael dá um suspiro, joga o pescoço pra cima e fica olhando o teto.

Fim da cena.

O resto do filme seguiria como está.

Para quem depois disto ainda tiver ânimo para ler mais, um texto antigo MEU sobre Francis Ford Coppola se encontra em

www.digestivocultural.com.br/colunistas/coluna.asp?codigo=874

2 Responses to Coppola e os chefões

  1. […] Segue o link para o texto sobre O Poderoso Chefão 2 -https://comoeueratrouxaaos18anos.wordpress.com/coppola-e-os-chefoes […]

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