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Por Mauricio O. Dias – comoeueratrouxa
Obs. Apesar do título, este texto não é sobre o filme ‘O show de Truman’, mas como uma das questões que ele trata é o fato de as pessoas quererem estar em visibilidade permanente, o título me pareceu adequado.
Reza o folclore que nos anos 1990 o então presidente dos EUA Bill Clinton teria dito sobre a maconha: “Fumei, mas não traguei.”
Isto gerou a ótima blague: “Fumo, mas não trago. Quem traz é um amigo meu.” O autor, o autor?? Seria do Agamenon Mendes Pedreira?
A frase de Clinton eu ‘googlei’, na verdade é “When I was in England, I experimented with marijuana a time or two, and I didn’t like it. I didn’t inhale and never tried it again.”
Lembrei disso ao decidir que queria escrever algo envolvendo twitters: ‘Leio o dos outros, mas não tenho o meu.’
Pode ser que algum dia eu resolva aderir, mas a princípio não tenho interesse. Não sei, twitter é algo que só tem sentido se for ligado ao instantâneo, o que, pro meu modo de escrever, não é muito adequado. É útil pra você dar links para coisas bizarras e engraçadas, o que eu já faço por email com os amigos e vice-versa – mas no twitter você atinge quem não te conhece, o que por um lado é interessante. E isto se multiplica em curto prazo, pela velocidade da comunicação dos links: quem usa vai estabelecendo novos contatos, pessoas com as quais possa ter afinidades. Pra quem trabalha com comunicação/mídia, serve até pra abrir portas, profissionalmente falando.
Comecei a ler twitter porque no site/blog do Arnaldo Branco tinha link pro dele, http://twitter.com/arnaldobranco. O http://twitter.com/MALVADOS do Dahmer foi conseqüência natural do anterior. Ao final do texto listo os twitters os quais, além dos já mencionados, acompanho já há algum tempo. E porque resolvi falar sobre isso agora? Falta de assunto melhor? É uma boa hipótese… O fato detonador foi que lendo o do Dahmer em 23/07 vi o post “Estética nerd é a bola da vez entre moderninhos”, e havia um link para o artigo que se encontra em http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1203744-5606,00-OCULOS+DE+ESTILO+NERD+SAO+A+TENDENCIA+PARA+HOMENS.html
No artigo, abaixo da segunda foto, a legenda: “O estudante Diogo Ferraz usa o óculos redondo para compor seu visual despojado.”
Pera aí, que visual despojado é este que tem que ser composto?
Não escrevo aqui para criticar o rapaz que usa óculos, nem o autor da matéria – não está assinada, atribuída a “Do G1, no Rio”. Entre a confecção da matéria e a publicação, rola um editor, como seria de se esperar? Quem será o pai da gafe?
Mas é transparente a falta de senso crítico, o jornalista que a redigiu não o fez por ironia. Este é o mundo imediatista da mídia. Ter um twitter envolve a questão de que você precisa preencher aquele espaço com alguma freqüência, então vira-se refém das novidades. Qualquer coisa nova, você lança antes que fique velha, para não ficar defasado. Então vira linha de produção.
Esta notícia que eu citei acima, ‘ÓCULOS DE ESTILO NERD SAO A TENDÊNCIA PARA HOMENS’, quer coisa mais irrelevante que isso? No entanto, um cara inteligente como o Dahmer dá espaço pra uma bobagem dessas, e eu, que sou uma besta, ainda me dou ao trabalho de comentar o fato. Ao invés de estarmos falando da filosofia de São Tomás de Aquino, Leibniz, ou de Shakespeare, Ticiano, Rembrandt, viramos caixa de ressonância de algo que beira a debilidade mental. Isto é a história do mundo do século XVIII pra cá, ao invés de se falar do que é grande e essencial, tenta-se preencher o tempo-espaço com o que estiver ao alcance. Começou há séculos, mas explodiu no século XX, o século da mídia de massa, das revistas, do rádio, da TV. A arte consagrada do século XX é um produto da falta de assunto dos jornalistas, os quais em geral não têm uma bagagem de pensamento organizado, apenas um simulacro muito superficial de conhecimento dos assuntos em pauta – pauta esta que é ditada por eles, então se restringem ao seu pequeno universo mental.
Não é apenas que os críticos de música dos jornais não sejam capazes de entender Bach; em geral, é muito mais sério, eles não têm conhecimento teórico algum, não estudaram para tocar instrumento nenhum, não diferenciam as notas, nem fazem idéia de como ler uma partitura. E os jornalistas que cobrem artes plásticas não sabem nada de desenho, e os jornalistas da área de divulgação científica só lêem o que é necessário para escrever os artigos. Se você é inteligente e tem verdadeiro interesse em conhecer, acaba por se livrar deste tipo de mentalidade depois de adulto. Mas o normal é passar a infância, adolescência e até o início da juventude totalmente escravizado pela mídia. Existem invenções em todos os níveis, desde as várias feitas para pegar adolescentes imbecis, até aquelas para pessoas que gostam de se atribuir qualidades intelectuais. Deleuze, Guattari, tudo isso é armadilha pra pegar trouxa. Mas é o que a faculdade de comunicação ensina. Zé Celso Martinez Corrêa, Gerald Thomas, Walther Salles, Tom Zé, poesia neoconcreta, Richard Serra, Susan Sontag, David Lynch, Robert Mapplethorpe, toda esta gente ‘sensível’ ou ‘contestadora’ incensada pela mídia… Quando você é garoto, uma parte de você quer se integrar e não se sente confiante para contestar a babação de ovo midiática; leva tempo até criar anticorpos.
Fico com medo de soar como aqueles caras que só falam de coisa do século XIX pra trás – e ainda não consigo me referir a algo ocorrido “no século XX” como “no século passado”, afinal, foi neste século que nasci e cresci. Há sujeitos que acham que tudo tem que ter uma motivação filosófica ou algo assim. Não é isso, há coisas que não querem dizer nada e são divertidíssimas. Os ‘versos’ “Gitchi gitchi ya ya here Mocha chocolata, ya ya” não dizem coisa nenhuma, mas cantados por Patti LaBelle em “Lady Marmalade” ficam maravilhosos – tô ouvindo um cd duplo dela direto! Maravilhoso! Música feita “no século passado”…
Voltando ao twitter, essa coisa de escrever casualmente sem saber quem está lendo é complicada. Tem gente que escreve como se estivesse de cueca no sofá da sala. Escrevi no quinto parágrafo: ‘no twitter você atinge quem não te conhece, o que por um lado é interessante.’ Mas, por outro lado, pode não ser: Nesses twitters que eu acompanho, já vi gente escrevendo “Vou estar no bar tal às tal horas”. Não acha que isto é se expor muito? Sabe lá quem está lendo? Não viram “O Rei da Comédia” de Martin Scorsese?
Sei lá… Por que eles escrevem? Por que eu escrevo sobre eles? Meta-linguagem levada ao paroxismo? Por um lado, “Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo” (Clarice Lispector). Por outro, tem horas na vida em que fazer o que se gosta é o máximo que se pode esperar de estar vivo.
Twitters pelos quais eu costumo passar para uma olhada:
http://twitter.com/marlosm
http://twitter.com/ulissesmattos
http://twitter.com/sergiomaggi